Caetano Veloso

Clarice

Caetano Veloso

Caetano Veloso


Há muita gente apagada pelo tempo
Nos papéis desta lembrança que tão pouco me ficou
Igrejas brancas, luas claras nas varandas
Jardins de sonho e cirandas, foguetes claros no ar

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Clarice era morena como as manhãs são morenas
Era pequena no jeito de não ser quase ninguém
Andou conosco caminhos de frutas e passarinhos
Mas jamais quis se despir entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes,
entre os meninos e os peixes do rio, do rio

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Tinha receio do frio, medo de assombração
Um corpo que não mostrava, feito de adivinhação
Os botões sempre fechados,
Clarice tinha o recato de convento e procissão

Eu pergunto o mistério
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Soldado fez continência, o coronel reverência
O padre fez penitência, três novenas e uma trezena
Mas Clarice era a inocência,
Nunca mostrou-se a ninguém
Fez-se modelo das lendas, fez-se modelo das lendas
Das lendas que nos contaram as avós

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Tem que um dia amanhecia e Clarice
Assistiu minha partida, chorando pediu lembrança
E vendo o barco se afastar de Amaralina
Desesperadamente linda, soluçando e lentamente

E lentamente despiu o corpo moreno
E entre todos os presentes, até que seu amor sumisse
Permaneceu no adeus chorando e nua
Para que a tivesse toda, todo o tempo que existisse

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração

Compositores: Caetano Emmanuel Viana Teles Veloso (Caetano Veloso), Jose Carlos Capinan (Capinan)
ECAD: Obra #22818094 Fonograma #21650933

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