A morte de Amy Winehouse realmente parecia estar prenunciada há alguns anos, afinal foram dezenas e dezenas de textos na imprensa relatando barracos, bebedeiras, desmaios, brigas e idas e vindas a clínicas de reabilitação. Ainda assim é inegável que sua partida com meros 27 anos acabou nos pegando de surpresa. Talvez porque já estivéssemos nos acostumando a ideia de que ela era indestrutível, como alguns ícones do abuso como Ozzy Osbourne, Keith Richards dos Rolling Stones ou Lemmy do Motörhead.
A maior tragédia para quem se importa mais com a música do que com a vida pessoas das estrelas é ter de conviver com o fato de que Winehouse produziu tão pouco. Mesmo se compararmos com outras vítimas da "maldição dos 27 anos" o legado dela é por demais pequeno - os Doors de Jim Morrison gravaram seis discos, Janis Joplin quatro e Jimi Hendrix deixou tanto material que até hoje é possível compilar álbuns inéditos, por exemplo.
Mas apesar de ínfimo o punhado de canções que Winehouse deixou para a posteridade com certeza transformaram a música pop do novo século. Principalmente porque "Back to Black" se tornou um item cada vez mais raros nos dias de hoje, o álbum que agrada os públicos mais diversos.
Numa época em que os hábitos musicais estão cada vez mais individualizados é raro um artista ou álbum conseguir atravessar barreiras e Winehouse conseguiu isso. "Back to Black" conquistou não só o público jovem de todo o planeta (incluindo o americano, cada vez mais arredio a qualquer coisa que não seja local), mas também a crítica, a indústria (vide a enxurrada de Grammys que ela levou) e o consumidor mais velho, aquele que ainda compra CDs.
E ela conseguiu isto gravando basicamente uma atualização da soul music dos anos 60, uma música que estava praticamente esquecida. Talvez essa tenha sido a grande jogada dela (e do produtor Mark Ronson, não nos esqueçamos). Para os jovens, aquele som definitivamente soava se não novo pelo menos inédito, e os mais velhos se emocionaram ao ver que sim, existia alguém na faixa dos vinte anos que ainda se importava com Dusty Springfield, Otis Redding, Aretha Franklin e os grupos femininos dos anos 60.
E se levarmos em conta que Amy Winehouse chegou lá sem fazer o tipo "sexy", muito pelo contrário, seus feitos são ainda mais admiráveis.
A influência de "Back to Black" é facilmente vista nas paradas de hoje. Sem ela Cee Lo Green seguramente não teria chegado ao grande público e muito menos um fenômeno como Adele teria sido possível. Amy também revitalizou o mercado da soul mais tradicional. Isso pode ser visto no surgimento de mais e mais eventos dedicados à Black Music e ao aumento considerável de artistas negros veteranos nos grandes festivais, e até em um caso como o de Sharon Jones que conheceu o sucesso só aos 50 anos com sua soul music á moda antiga.
É por isso que agora é o momento ideal para nos lembrarmos não da Amy Winehouse "barraqueira", o ser humano que não conseguiu domar seus demônios mas sim da artista que por alguns momentos teve talento e foco suficiente para realmente mudar o cenário da música pop. O que, convenhamos, é tarefa para poucos.
Nesse especial o Vagalume relembra os grandes momentos da curta porém marcante carreira de Amy Winehouse. É a nossa forma de homenagear esse grande talento.
"Frank" - 2003
Lançado em 2003, "Frank" soava como uma anomalia. Afinal não era muito comum ver uma garota de 19 anos com uma voz tão madura e essa sonoridade que tinha mais a ver com o pop de 40 ou 45 anos atrás - ainda que com um verniz moderno do que com a música das paradas. O resultado é um álbum pop mas com forets tinturas de jazz, soul, baladas e até bossa-nova. Além de uma grande surpresa para quem só conhece seu trabalho posterior.
"Frank" apesar de ter sido feito por uma quase menina soava muito mais como um disco gravado por uma cantora já veterana.
A crítica prestou atenção e Amy chegou a ser comparada a gente como Nina Simone e outras grandes damas do jazz. o álbum também foi indicado para o venerado Mercury Prize (perdeu para a estreia do Franz Ferdinand) e tornou Amy Winehouse uma artista cult.
Tanto quanto a música o que chamou a atenção das pessoas foram as letras da artista. Onde ela não tinha o menor problema em abrir todo seu baú de intimidades, inseguranças e segredos de forma direta e sem meias palavras.
Infelizmente para os fãs de música (e para alegria dos tablóides) não demorou muito para ver que a vida particular pra lá de turbulenta da moça logo teria tanto ou mais espaço na mídia que sua arte.
"Back To Black" - 2006
Nesses pouco menos de 35 minutos está o maior legado de Amy Winehouse para a música pop.
Em um álbum em que os méritos devem ser divididos com o produtor Mark Ronson e aos Dap-Kings que a acompanham em diversas faixas, Amy mostrou que aqueles que apostavam nela como um dos nomes que poderiam fazer a diferença no pop do século 21 não estavam errados.
Ronson manteve o clima retrô de "Frank" - a soul music e o som dos girl groups dos anos 60 continuam sendo a fonte básica - mas deixou o som dela mais encorpado e pronto para tocar nas rádios e pistas de dança.
Winehouse por sua vez demonstrava maior maturidade e poder vocal e se abria ainda mais em suas letras cada vez mais confessionais.
Em "Rehab", um clássico instantâneo, a cantora dizia que ao contrário do que lhe pediam ela não iria para uma clínica de reabilitação (mais tarde ela mudaria o "no, no, no" para "I'll go, I'll go, I'll go - eu vou, eu vou eu vou - em performances ao vivo).
Já em "Addicted" (devidamente limada da versão americana do disco) Amy reclama do namorado da amiga que fumou toda a sua erva, e na ótima "You Know I'm No Good" ela já deixava claro que não era flor que se cheirasse.
"Back to Black" tornou Amy Winehouse em superestrela e suas músicas tornaram-se onipresentes. Rádios, MTV, baladas, desfiles de moda, pistas de dança; era difícil escapar de alguma das canções do álbum que rapidamente conseguiu juntar os mais diferentes tipo de ouvintes ao seu redor.
Ao mesmo tempo, com o sucesso do disco começam a surgir mais e mais notícias de shows irregulares ou abandonados no meio, e da escalada aparentemente incontrolável dos excessos da cantora.
Dali em diante ser fã da cantora significava temer pelo amanhã. Diariamente fotos dela usando drogas, extremamente magra e com marcas pelo corpo pipocavam pela internet e nos jornais. A música ia ficando cada vez mais em segundo plano e as tentativas de fazer com que Amy voltasse a trabalhar em estúdio sempre eram fracassadas.
Aparentemente o que seria seu terceiro disco foi rejeitado pela gravadora por ter apenas reggaes (outra grande paixão dela) e não o som que a consagrou.
Ela também ameaçou uma volta aos palcos, mas seus erráticos concertos no Brasil em janeiro de 2011 e a vexaminosa performance ocorrida na Sérvia em junho de 2010 - que forçou o cancelamento de toda uma turnê pela Europa - mostravam que o corpo de Winehouse estava bem próximo do seu limite.
Infelizmente, "Back to Black" fica como o último legado da cantora e não só como um dos marcos de uma carreira que esperava-se fosse ser longa.
Fica agora nas mãos de seus seguidores, notadamente Adele, a tarefa de levarem a cabo as propostas sonoras esboçadas por Winehouse em sua curta carreira.
Boa sorte para todos eles - os fãs só tem a agradecer mesmo que estejam dizendo que "não precisava ter sido assim".
A maior tragédia para quem se importa mais com a música do que com a vida pessoas das estrelas é ter de conviver com o fato de que Winehouse produziu tão pouco. Mesmo se compararmos com outras vítimas da "maldição dos 27 anos" o legado dela é por demais pequeno - os Doors de Jim Morrison gravaram seis discos, Janis Joplin quatro e Jimi Hendrix deixou tanto material que até hoje é possível compilar álbuns inéditos, por exemplo.
Mas apesar de ínfimo o punhado de canções que Winehouse deixou para a posteridade com certeza transformaram a música pop do novo século. Principalmente porque "Back to Black" se tornou um item cada vez mais raros nos dias de hoje, o álbum que agrada os públicos mais diversos.
Numa época em que os hábitos musicais estão cada vez mais individualizados é raro um artista ou álbum conseguir atravessar barreiras e Winehouse conseguiu isso. "Back to Black" conquistou não só o público jovem de todo o planeta (incluindo o americano, cada vez mais arredio a qualquer coisa que não seja local), mas também a crítica, a indústria (vide a enxurrada de Grammys que ela levou) e o consumidor mais velho, aquele que ainda compra CDs.
E ela conseguiu isto gravando basicamente uma atualização da soul music dos anos 60, uma música que estava praticamente esquecida. Talvez essa tenha sido a grande jogada dela (e do produtor Mark Ronson, não nos esqueçamos). Para os jovens, aquele som definitivamente soava se não novo pelo menos inédito, e os mais velhos se emocionaram ao ver que sim, existia alguém na faixa dos vinte anos que ainda se importava com Dusty Springfield, Otis Redding, Aretha Franklin e os grupos femininos dos anos 60.
E se levarmos em conta que Amy Winehouse chegou lá sem fazer o tipo "sexy", muito pelo contrário, seus feitos são ainda mais admiráveis.
A influência de "Back to Black" é facilmente vista nas paradas de hoje. Sem ela Cee Lo Green seguramente não teria chegado ao grande público e muito menos um fenômeno como Adele teria sido possível. Amy também revitalizou o mercado da soul mais tradicional. Isso pode ser visto no surgimento de mais e mais eventos dedicados à Black Music e ao aumento considerável de artistas negros veteranos nos grandes festivais, e até em um caso como o de Sharon Jones que conheceu o sucesso só aos 50 anos com sua soul music á moda antiga.
É por isso que agora é o momento ideal para nos lembrarmos não da Amy Winehouse "barraqueira", o ser humano que não conseguiu domar seus demônios mas sim da artista que por alguns momentos teve talento e foco suficiente para realmente mudar o cenário da música pop. O que, convenhamos, é tarefa para poucos.
Nesse especial o Vagalume relembra os grandes momentos da curta porém marcante carreira de Amy Winehouse. É a nossa forma de homenagear esse grande talento.
"Frank" - 2003
Lançado em 2003, "Frank" soava como uma anomalia. Afinal não era muito comum ver uma garota de 19 anos com uma voz tão madura e essa sonoridade que tinha mais a ver com o pop de 40 ou 45 anos atrás - ainda que com um verniz moderno do que com a música das paradas. O resultado é um álbum pop mas com forets tinturas de jazz, soul, baladas e até bossa-nova. Além de uma grande surpresa para quem só conhece seu trabalho posterior.
"Frank" apesar de ter sido feito por uma quase menina soava muito mais como um disco gravado por uma cantora já veterana.
A crítica prestou atenção e Amy chegou a ser comparada a gente como Nina Simone e outras grandes damas do jazz. o álbum também foi indicado para o venerado Mercury Prize (perdeu para a estreia do Franz Ferdinand) e tornou Amy Winehouse uma artista cult.
Tanto quanto a música o que chamou a atenção das pessoas foram as letras da artista. Onde ela não tinha o menor problema em abrir todo seu baú de intimidades, inseguranças e segredos de forma direta e sem meias palavras.
Infelizmente para os fãs de música (e para alegria dos tablóides) não demorou muito para ver que a vida particular pra lá de turbulenta da moça logo teria tanto ou mais espaço na mídia que sua arte.
"Back To Black" - 2006
Nesses pouco menos de 35 minutos está o maior legado de Amy Winehouse para a música pop.
Em um álbum em que os méritos devem ser divididos com o produtor Mark Ronson e aos Dap-Kings que a acompanham em diversas faixas, Amy mostrou que aqueles que apostavam nela como um dos nomes que poderiam fazer a diferença no pop do século 21 não estavam errados.
Ronson manteve o clima retrô de "Frank" - a soul music e o som dos girl groups dos anos 60 continuam sendo a fonte básica - mas deixou o som dela mais encorpado e pronto para tocar nas rádios e pistas de dança.
Winehouse por sua vez demonstrava maior maturidade e poder vocal e se abria ainda mais em suas letras cada vez mais confessionais.
Em "Rehab", um clássico instantâneo, a cantora dizia que ao contrário do que lhe pediam ela não iria para uma clínica de reabilitação (mais tarde ela mudaria o "no, no, no" para "I'll go, I'll go, I'll go - eu vou, eu vou eu vou - em performances ao vivo).
Já em "Addicted" (devidamente limada da versão americana do disco) Amy reclama do namorado da amiga que fumou toda a sua erva, e na ótima "You Know I'm No Good" ela já deixava claro que não era flor que se cheirasse.
"Back to Black" tornou Amy Winehouse em superestrela e suas músicas tornaram-se onipresentes. Rádios, MTV, baladas, desfiles de moda, pistas de dança; era difícil escapar de alguma das canções do álbum que rapidamente conseguiu juntar os mais diferentes tipo de ouvintes ao seu redor.
Ao mesmo tempo, com o sucesso do disco começam a surgir mais e mais notícias de shows irregulares ou abandonados no meio, e da escalada aparentemente incontrolável dos excessos da cantora.
Dali em diante ser fã da cantora significava temer pelo amanhã. Diariamente fotos dela usando drogas, extremamente magra e com marcas pelo corpo pipocavam pela internet e nos jornais. A música ia ficando cada vez mais em segundo plano e as tentativas de fazer com que Amy voltasse a trabalhar em estúdio sempre eram fracassadas.
Aparentemente o que seria seu terceiro disco foi rejeitado pela gravadora por ter apenas reggaes (outra grande paixão dela) e não o som que a consagrou.
Ela também ameaçou uma volta aos palcos, mas seus erráticos concertos no Brasil em janeiro de 2011 e a vexaminosa performance ocorrida na Sérvia em junho de 2010 - que forçou o cancelamento de toda uma turnê pela Europa - mostravam que o corpo de Winehouse estava bem próximo do seu limite.
Infelizmente, "Back to Black" fica como o último legado da cantora e não só como um dos marcos de uma carreira que esperava-se fosse ser longa.
Fica agora nas mãos de seus seguidores, notadamente Adele, a tarefa de levarem a cabo as propostas sonoras esboçadas por Winehouse em sua curta carreira.
Boa sorte para todos eles - os fãs só tem a agradecer mesmo que estejam dizendo que "não precisava ter sido assim".