Em 1984, ou seja, muito tempo antes de Luciana Gimenez e Lucas Jagger estreitarem de vez o vínculo de Mick Jagger com o Brasil, o Rolling Stone já tinha uma história longa com o país que remonta a 1968. Quando ele, o guitarrista Keith Richards e suas namoradas passaram uma temporada por aqui (foi onde Keith conheceu a afinação de guitarra alternativa que se tornou a sua favorita).

Mas nenhuma visita do cantor ao país foi tão inusitada quanto a de 1984. Primeiro vamos ao contexto. Em 1982, os Stones assinaram um contrato milionário com a CBS que previa, também, a opção de que eles lançassem discos solo. Jagger adorou a cláusula, para desgosto de Richards, que era totalmente contra a ideia.
Mick Jagger

O fato é que os dois parceiros passaram a se estranhar e nunca a banda esteve tão próxima de acabar - essa tensão seria vista nos discos que a banda lançou nesse período, tidos como os mais fracos já feitos pelo, então, quinteto.

Sem ligar para o guitarrista, Jagger começou a trabalhar em seu álbum, chamando um time invejável de músicos para as gravações - de Jeff Beck e Nile Rodgers ao jazzista Herbie Hancock.

Com muito dinheiro à disposição, ele também resolveu vir ao Brasil fazer o que na época foi chamado de "clipão". Ou seja, um filme que usaria as músicas do álbum em seu enredo. Naquele momento, era raro termos estrelas do rock por aqui, ainda mais um da magnitude de Jagger. Por isso, todos seus passos foram seguidos pelos jornalistas e a visita ganhou muito destaque nos jornais e nas televisões.

A entrevista que Glória Maria fez com ele foi um sucesso na época, com a repórter pedindo um autógrafo, algo impensável hoje em dia, e ainda se desmanchando quando ganhou um beijo do astro (outra cena difícil de se imaginar no século 21).

Veja:



E o tal filme? Bom, ele certamente está longe de ser uma obra-prima e, curiosamente, nunca foi exibido ou lançado por aqui na época. Uma mistura de aventura e musical, "Running Out of Luck" foi dirigido pelo celebrado Julian Temple e, hoje, pode ser visto como um divertido retrato daquele período, com momentos hilários - como quando ele diz ser "Mick Jeguêro" para os donos de um bar de beira de estrada.
Mick Jagger

Melhor ainda é ver o Stone atuando ao lado de artistas brasileiros. Norma Bengell, José Dumont, Tony Tornado, Tonico Pereira e até um jovem Raul Gazolla, estão no longa, que nunca ganhou lançamento em DVD e só saiu em VHS em 1987. Como no mundo da internet nada pode ser esquecido, o filme está no YouTube.

Veja:



O fim da história

"She's The Boss", o primeiro álbum solo de Mick Jagger, foi lançado em fevereiro de 1985, precedido pelo single "Just Another Night". Quem viveu a época deve se lembrar da frustração que foi ver que o "clipe gravado no Brasil", trazia praticamente apenas cenas gravadas no interior de uma boate.

O álbum fez relativo sucesso, já que a máquina promocional da CBS trabalhou forte, mas os críticos, e, vale dizer, a grande maioria dos fãs dos Stones, não se animaram com o material. Keith Richards acredita que se tivesse estourado, o vocalista iria abandonar de vez a banda e abraçaria a carreira solo.

O fato é que os anos seguintes foram de incerteza. Os Rolling Stones lançaram, em 1986, o álbum "Dirty Work", tido como o pior já feito por eles, que foi gravado em clima de total animosidade entre o cantor e o guitarrista. Pior ainda, assim como já havia acontecido com "Undercover", o trabalho anterior de 1983, o grupo decidiu não fazer uma turnê.

Em 1987, Jagger fez mais um álbum solo, "Primitive Cool", esse um fracasso em todos os sentidos, e fez alguns shows solo no Japão e Austrália, o que deixou Richards ainda mais raivoso. Sem ter muito o que fazer, Keith resolveu devolver na mesma moeda lançando um bom disco solo ("Talk Is Cheap", de 1988), que vendeu relativamente bem e foi elogiado pelos críticos.

Os dois finalmente se entenderam no ano seguinte, quando ficou claro que a marca Rolling Stones era forte demais e muito maior que os seus integrantes. A banda estava salva e voltou com um álbum e uma turnê de grandes proporções.
Mick Jagger

Os Stones seguem na ativa até hoje, ainda que os discos novos tenham saído a conta-gotas (desde 1994 foram apenas três de músicas inéditas e um com covers de clássicos do blues). Jagger lançou ainda outros dois discos solo, assim como Richards, que aprendeu a aceitar as escapadas do cantor longe do grupo.

O diretor Julien Temple também segue na ativa e, a partir de hoje (10), seu mais novo documentário, "Ibiza The Silent Movie", pode ser visto dentro da programação do In-Edit Brasil - o festival de documentários musicais que está sendo realizado online em 2020. O cineasta também dará uma palestra nesta terça-feira, às 18 horas, no site In-Edit-Brasil.com.