Ouve meu cântico Quase sem ritmo Que a voz de um tísico Magro esquelético
Poesia épica, Em forma esdrúxula Feita sem métrica, Com rima rápida
Amei Angélica, Mulher anêmica De cores pálidas E gestos tímidos
Era maligna E tinha ímpetos De fazer cócegas No meu esôfago
Em noite frígida, Fomos ao Lírico Ouvir o músico Pianista célebre
Soprava o zéfiro, Ventinho úmido Então Angélica Ficou asmática
Fomos ao médico De muita clínica Com muita prática E preço módico
Depois do inquérito, Descobre o clínico O mal atávico, Mal sifilítico
Mandou-me o célere, Comprar noz vômica E ácido cítrico Para o seu fígado
O farmacêutico, Mocinho estúpido, Errou na fórmula, Fez despropósito
Não tendo escrúpulo, Deu-me sem rótulo Ácido fênico E ácido prússico
Corri mui lépido, Mais de um quilômetro Num bonde elétrico De força múltipla
O dia cálido Deixou-me tépido Achei Angélica Já toda trêmula
A terapêutica Dose alopática, Lhe dei uma xícara De ferro ágate
Tomou no fôlego, Triste e bucólica, Esta estrambólica Droga fatídica
Caiu no esôfago Deixou-a lívida, Dando-lhe cólica E morte trágica
O pai de Angélica Chefe do tráfego, Homem carnívoro, Ficou perplexo
Por ser estrábico Usava óculos: Um vidro côncavo, Outro convexo
Morreu Angélica De um modo lúgubre Moléstia crônica Levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia Todos os médicos Foram unânimes No diagnóstico
Fiz-lhe um sarcófago, Assaz artístico Todo de mármore, Da cor do ébano
E sobre o túmulo Uma estatística, Coisa metódica Como Os Lusíadas
E numa lápide, Paralelepípedo, Pus esse dístico Terno e simbólico:
"Cá jaz Angélica, moça hiperbólica beleza helênica, morreu de cólica!"
Compositor: Murilo Alvarenga (Alvarenga) (UBC)Editor: Editora e Importadora Musical Fermata do Brasil Ltda (UBC)Publicado em 2006 (18/Set) e lançado em 1996 (20/Set)ECAD verificado obra #1842465 e fonograma #1096342 em 07/Abr/2024 com dados da UBEM