Não tinha medo o tal João de Santo Cristo Era o que todos diziam quando ele se perdeu Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu
Quando criança só pensava em ser bandido Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu Era o terror da sertania onde morava E na escola até o professor com ele aprendeu
Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar Sentia mesmo que era mesmo diferente Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar E as coisas que ele via na televisão Juntou dinheiro para poder viajar De escolha própria, escolheu a solidão
Comia todas as menininhas da cidade De tanto brincar de médico, aos doze era professor. Aos quinze, foi mandado pro o reformatório Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.
Não entendia como a vida funcionava Discriminação por causa da sua classe e sua cor Ficou cansado de tentar achar resposta E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.
E lá chegando foi tomar um cafezinho E encontrou um boiadeiro com quem foi falar E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem Mas João foi lhe salvar
Dizia ele: "Estou indo pra Brasília Neste país lugar melhor não há Tô precisando visitar a minha filha Eu fico aqui e você vai no meu lugar"
E João aceitou sua proposta E num ônibus entrou no Planalto Central Ele ficou bestificado com a cidade Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal
"Meu Deus, mas que cidade linda, No Ano-Novo eu começo a trabalhar" Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro Ganhava cem mil por mês em Taguatinga
Na sexta-feira ia pra zona da cidade Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador E conhecia muita gente interessante Até um neto bastardo do seu bisavô
Um peruano que vivia na Bolívia E muitas coisas trazia de lá Seu nome era Pablo e ele dizia Que um negócio ele ia começar
E o Santo Cristo até a morte trabalhava Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar E ouvia às sete horas o noticiário Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar Elaborou mais uma vez seu plano santo E sem ser crucificado, a plantação foi começar.
Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade: "Tem bagulho bom ai!" E João de Santo Cristo ficou rico E acabou com todos os traficantes dali.
Fez amigos, frequentava a Asa Norte E ia pra festa de rock, pra se libertar Mas de repente Sob uma má influência dos boyzinho da cidade Começou a roubar.
Já no primeiro roubo ele dançou E pro inferno ele foi pela primeira vez Violência e estupro do seu corpo "Vocês vão ver, eu vou pegar vocês"
Agora o Santo Cristo era bandido Destemido e temido no Distrito Federal Não tinha nenhum medo de polícia Capitão ou traficante, playboy ou general
Foi quando conheceu uma menina E de todos os seus pecados ele se arrependeu Maria Lúcia era uma menina linda E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar E carpinteiro ele voltou a ser "Maria Lúcia pra sempre vou te amar E um filho com você eu quero ter"
O tempo passa e um dia vem na porta Um senhor de alta classe com dinheiro na mão E ele faz uma proposta indecorosa E diz que espera uma resposta, uma resposta do João
"Não boto bomba em banca de jornal Nem em colégio de criança isso eu não faço não E não protejo general de dez estrelas Que fica atrás da mesa com o cu na mão
E é melhor senhor sair da minha casa Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião" Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse: "Você perdeu sua vida, meu irmão"
"Você perdeu a sua vida meu irmão Você perdeu a sua vida meu irmão Essas palavras vão entrar no coração Eu vou sofrer as consequências como um cão"
Não é que o Santo Cristo estava certo Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar Se embebedou e no meio da bebedeira Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro E também tinha dinheiro e queria se armar Pablo trazia o contrabando da Bolívia E Santo Cristo revendia em Planaltina
Mas acontece que um tal de Jeremias, Traficante de renome, apareceu por lá Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo E decidiu que, com João ele ia acabar
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22 E Santo Cristo já sabia atirar E decidiu usar a arma só depois Que Jeremias começasse a brigar
Jeremias, maconheiro sem-vergonha Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar Desvirginava mocinhas inocentes Se dizia que era crente mas não sabia rezar
E Santo Cristo há muito não ia pra casa E a saudade começou a apertar "Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia Já tá em tempo de a gente se casar"
Chegando em casa então ele chorou E pro inferno ele foi pela segunda vez Com Maria Lúcia Jeremias se casou E um filho nela ele fez
Santo Cristo era só ódio por dentro E então o Jeremias pra um duelo ele chamou Amanhã às duas horas na Ceilândia Em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor E mato também Maria Lúcia Aquela menina bosal pra quem jurei o meu amor
E o Santo Cristo não sabia o que fazer Quando viu o repórter da televisão Que deu notícia do duelo na Tv Dizendo a hora e o local e a razão
No sábado então, às duas horas, Todo o povo sem demora foi lá só para assistir Um homem que atirava pelas costas E acertou o Santo Cristo, começou a sorrir
Sentindo o sangue na garganta, João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e A gente da Tv que filmava tudo ali
E se lembrou de quando era uma criança E de tudo o que vivera até ali E decidiu entrar de vez naquela dança "Se a via-crucis virou circo, estou aqui"
E nisso o sol cegou seus olhos E então Maria Lúcia ele reconheceu Ela trazia a Winchester-22 A arma que seu primo Pablo lhe deu
"Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é E não atiro pelas costas não Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão"
E Santo Cristo com a Winchester-22 Deu cinco tiros no bandido traidor Maria Lúcia se arrependeu depois E morreu junto com João, seu protetor
E o povo declarava que João de Santo Cristo Era santo porque sabia morrer E a alta burguesia da cidade Não acreditou na história que eles viram na Tv
E João não conseguiu o que queria Quando veio pra Brasília, com o diabo ter Ele queria era falar pro presidente Pra ajudar toda essa gente que só faz...
Sofrer...
Compositor: Renato Manfredini Junior (Renato Russo) (ABRAMUS)Editor: Sony Music (UBC)Publicado em 1992 (13/Nov)ECAD verificado obra #1434 e fonograma #13225 em 04/Abr/2024 com dados da UBEM