Milton Nascimento
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Rito Penitencial

Milton Nascimento

Oratório


(Coro - Cantado)

Kyrie eleison, Christe eleison, Kyrie eleison.

Alma não é branca,
luto não é negro,
negro não é folk.

Kyrie eleison.

- Senhor do Bonfim
do bom começar:
não seja a alegria
apenas de um dia;
não seja a folia
para desfilar
na avenida sua.
Que seja, por fim,
a tua Alforria
e nossa a rua,
Senhor do Bonfim!

Kyrie eleison, Christe eleison, Kyrie eleison.

(Recitado)

Da raça maldita
gratuitamente,
a raça de Cam.
Secular estigma
da escrava Agar,
Mãe espoliada,
Ismael dos Povos,
denegrida Africa.

(Coro - Cantado)

Terras de Luanda,
Costa do Marfim,
Reino de Guiné,
Patria de Aruanda
Awa de! (Estamos aqui)

(Recitado)

Carne em toneladas,
fardos de porão.
Quota da Coroa
fichas de Batismo,
marcados a ferro
para a Salvação.
Entregues à Morte,
sendo Cristo a vida.
Humanos leilões,
pecas de cobiça,

300 milhões
de africanos mortos
na Segregação
Caça das Bandeiras,
do Esquadrão da Morte.
Exus do destino,
capitães-do-mato.
Quantos Jorge Velho
de todos os Lucros,
de todos os Tempos,
de todas as Guardas!
Quantas Aureas Leis
da Justiça Branca!

(Coro– Cantado)

Queimamos, de medo
-do medo da História-
os nossos arquivos.
Pusemos em branco
a nossa memória.

(Recitado)

Cultura à margem,
Culto condenado,
Fé de freguesia,
Giro tolerado,
Revolta ignorada,
História mentida.

Ressaca dos Portos.
Harlem dos Impérios,
Apartheid em casa,
favela do mundo.
Com "direito a enterro"
sem direito à vida.
Pelourinhos brancos,
flagelados pretos.
Negro sem emprego,
sem voz e sem vez.
Sem direito a ser,
a ser e a ser Negro.
Dobrados nos eitos,
os peitos quebrados,
os peitos sugados
por filhos alheios,
senhores ingratos.
Bebês imolados
pelas Anas Paes,
Testas humilhadas
nas águas dos cais,

Bronze incandescente
nas bocas dos fornos.
Peões de fazenda,
pé de bóia-fria,
artista varrido
no pó da oficina,
garçom de boteco,
sombra de cozinha,
mão de subemprego,
carne de bordel...
Pixotes nas ruas,
caçados nos morros,
mortos no xadrez!

Negro embranquecido
pra sobreviver.
(Branco enegrecido
para gozação).
Negro embranquecido,
morto mansamente
pela integração.

(Coro - Cantado)

Mulato iludido,
fica do teu lado,
do lado do Negro.
Não faças, Mulato,
a branca traição.

(Recitado)

Padres estudados,
Pastores ouvidos,
Freiras ajeitadas,
Doutores da sorte,
Cantores de turno,
Monarcas de estádio...
Não negueis o Sangue,
o grito dos Mortos,
o cheiro do Negro,
o aroma da Raça,
a força do Povo,
a voz de Aruanda,
a volta aos QUILOMBOS!

(Coro- Cantado)

- Bom Jesus de Pirapora,
na procura desta hora,
tem piedade de nós.

- Kyrie eleison!

(Solo - Cantado)

Senhor Morto,
Deus da Vida,
nesta luta proibida,
tem piedade de nós.

(Coro)

- Christe eleison!

(Solo - Cantado)

- Irmão Mor da Irmandade,
na Paixão da Liberdade,
tem piedade de nós.

(Coro)

Kyrie eleison!
Compositores: Hamilton Pereira da Silva (Pedro Tierra) (SICAM), Milton Silva Campos do Nascimento (Milton Nascimento) (UBC), Pedro CasaldaligaEditores: Nascimento Edicoes Musicais Ltda. (UBC), Tres Pontas (UBC)Administração: Sony Music (UBC)Publicado em 2018 (02/Mar) e lançado em 2001 (01/Ago)ECAD verificado obra #1521951 e fonograma #15364539 em 04/Abr/2024 com dados da UBEM

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